Não bastava edificar, por mais bem construída que fosse, uma capela; era necessário oficializá-la.
Elevação a curato
Com a elevação do arraial a distrito, o trabalho junto ao bispado de Mariana continuou intenso, pois não bastava dotar o povoado de um abrigo para exercícios religiosos coletivos, era necessário sagrá-lo, o que significava o reconhecimento do novo templo como uma capela curada.
Com a prerrogativa de curato, a capela poderia receber casamentos, batizados e encomenda de almas, além da nomeação de um padre designado, chamado de “cura d’alma”, que também tinha um caráter interino, ou nomeava-se um capelão permanente. O curato não tinha ainda seus livros de registro, as anotações dos assentos eram feitos nos livros da freguesia a qual o curato pertencia.
Para que a capela fosse curada, pelas normas da Constituição do Arcebispado, a mesma deveria ser construída de pedra e cal, e não somente de madeira ou de barro. Deveria ter altar-mor com retábulo, um púlpito, confessionário, sacristia e sinos. Um local para pia batismal de pedra, que deveria ficar isolada e cercada com grades, fechada com chaves. Das alfaias entre panos para o altar e paramentos, exigiam-se ainda ostensórios, turíbulos, cálices, vasos para os santos óleos e âmbula do sacrário, todos de prata, senão ao menos de estanho. Além de um cemitério murado.
Assim, o caráter de provisoriedade, anteriormente administrado na construção do pequeno templo, a fim de conseguir a indicação de um padre visitador para o mesmo, deixava de ser exercido para execução de uma obra mais complexa, com mais detalhes e ornamentos.
Por se tratar de uma obra mais dispendiosa, em todos os âmbitos, o trabalho de levantamento de fundos para sua execução foi mais demorado. Não só aforamentos (pagos anualmente) seriam suficientes para custear tal empreendimento. Era necessário um envolvimento maior de todos.
Sob a coordenação do Pe. Atanásio, e apoio dos procuradores do patrimônio, os moradores do arraial se mobilizaram doando material construtor, colocando a disposição da causa sagrada seus conhecimentos em carpintaria e olaria, seus carros de bois e escravos. Tudo isso em prol de uma causa comum: ver a pequena capela se tornar um novo templo curado.
Com a empreitada finda, em 1836, o Bispado de Mariana concede a prerrogativa de Curato de São Sebastião da Pedra Branca (atual Pedralva), a capela de Santa Rita, sendo nomeado seu “cura d’alma” o já pastor do arraial o Pe. Atanásio, o qual passa a residir no distrito de Santa Rita.
Entre enganos e acertos
Remeto-me aqui as dúvidas colocadas no artigo ”Os primeiros serviços religiosos nas cercanias de Santa Rita do Sapucaí”, publicado aqui, em 2011. Neste, cito como curioso o fato de que “mesmo após a celebração da 1ª missa, as celebrações de batizados e casamentos continuaram a serem feitos unicamente nas capelas particulares das fazendas do agora Capitão Braz Fernandes Ribas e do Capitão Joaquim Ribeiro de Carvalho, e não na já erguida capela de Santa Rita.”.
Os casamentos e batismos não eram realizados na capela, pois esta ainda não havia evoluído para curato, era somente uma capela filiada, a qual só tinha autorizações para receber celebrações e alguns outros poucos ofícios religiosos. Como a elevação da capela a curato, o agora cura Pe Atanásio recebeu permissão para executar os demais ofícios comuns às capelas curadas ou matrizes.
Freguesia em fim!
Com a instalação do Império no Brasil e, principalmente, durante o período da Regência, o regime do padroado sofreu algumas adaptações. Algumas leis e normas para elevação de um arraial a freguesia civil, ou de uma capela curada à freguesia canônica (paróquia), foram “enxugadas” de modo a deixar o processo de elevação hierárquico mais simples.
Com o padroado vigente, Igreja ainda ligada ao Estado, o governo civil, através do Regente, em nome do Imperador Pedro II, decreta a criação da freguesia de Santa Rita, em 1839. A Assembleia da Província de Minas ratificou o ato, através da lei n. 138, elevando o arraial à paróquia em abril do mesmo ano.
As autoridades eclesiásticas confirmaram os atos nomeando, através de provisão episcopal, o vigário encomendado da paróquia, o já pastor do arraial, Pe. Atanásio. A Câmara da Vila de Campanha atesta, em outubro de 1839, a posse do Vigário, através do envio do comunicado abaixo:

Posse do Vigário Encomendado da freguesia de Santa Rita, Pe Atanásio José Rodrigues, concedida pela Câmara de Campanha, em 1839
Com a emancipação “espiritual” e “política” do arraial, através da elevação à freguesia civil e canônica, o templo religioso da localidade passa a ser Matriz da nova freguesia, assumindo a centralidade das atividades, não só religiosas, mas também políticas.
Na agora Matriz, pelas mãos do vigário, anotavam-se os nomes dos habilitados para as eleições. Constituía-se ali, de eleição em eleição, o colégio eleitoral que elegia: os eleitores paroquiais, o juiz de paz e seus suplentes; os vereadores da vila a qual pertencia a freguesia; os oficiais militares, membros da Guarda Nacional do arraial; os deputados e os senadores, dentre outros. Era ali, na Matriz, agora constituída de livros para os assentos, onde se faziam os registros de batizados, casamentos e mortes, que tinham validade eclesiástica e civil. Dentro da Matriz ainda, sob sua nave, eram enterrados os ricos, os poderosos e os benfeitores do arraial.
Epílogo sem fim
Tentei levantar nessa série de artigos, baseado em muita pesquisa e documentos, um pouco mais das narrativas perdidas pelo no tempo e pela falta de cuidado com nossa história.
A intenção inicial era a criação de 2 artigos sobre o início de Santa Rita, até a elevação à freguesia. Mas a paixão pela história, o prazer pela descoberta de ligações entre fatos e documentos (muitos deles inéditos), o desvendar de nomes que foram de suma importância para todo o processo, me fizeram ampliar a obra para mais 3 textos. Confesso que tenho material para discorrer sobre esse tema por, pelo menos, mais 3 ou 4 artigos, mas deixarei esse material para trabalhar em outros textos.
Findo essa “saga” com reverência e gratidão a Braz, Manoel, Antonio, João, José, Joaquim, Atanásio e tantos outros… Mais do que um simples “Epílogo sem fim”, sinto que estamos aqui hoje, sobre esse pedaço de chão Santa-ritense, graças a todos os passos dados por estes homens de coragem, verdadeiros empreendedores sociais da época, desejosos sempre pelo progresso e bem-estar destas terras.
Fontes:
– Arquivos do Fórum de Santa Rita do Sapucaí;
– Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, edição de 1853;
– Arquivo Público Mineiro, Coleção de Leis Mineiras (1839-1889), LM-0161, T. 5, part. 1, folhas 61-63.