Movimentos em prol da criação da freguesia de Santa Rita – 2ª parte

Com a expedição do alvará régio, autorizando a construção de uma capela filial, nas terras pertencentes ao patrimônio, os próximos passos dos procuradores de Santa Rita eram: definir o local da construção e arrecadar fundos para o novo templo.

A determinação do local para construção da capela
O local onde seria erguida a capela deveria observar algumas diretrizes explicitadas nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (legislação eclesiástica que regia a Igreja no Brasil da época). A não observância destas diretrizes levava a não sagração da futura capela, o que impedia a localidade de ser elevada, no futuro, a categoria de freguesia canônica.

As regras determinavam que a capela fosse construída num lugar alto, decente, longe de lugares imundos, sem umidade e sozinha num quarteirão. Ao seu redor deveria existir espaço suficiente para a passagem de procissões, delimitando assim as primeiras ruas do povoado.

Ordenava também que na frente da capela deveria haver um pátio – chamado de adro – sem construções, o qual poderia ser acessado pelas pessoas sem transporem quaisquer obstáculos físicos. O adro era tido simultaneamente como de domínio público e da Igreja.

No terreno doado pelo casal Manoel e Genoveva havia somente um local que preenchia todos os requisitos das Constituições do Arcebispado: o outeiro que se elevava, quase no centro do patrimônio. Ali foi escolhida uma área para construção da capela.

Com a escolha do local, o bispado de Mariana enviava um visitador diocesano para verificar se as normas de escolha do local foram respeitadas. Com a aprovação, o visitador levantava ali uma cruz, bem no centro onde a capela deveria ser construída, demarcando seu âmbito e o adro. Marcava também a posição do altar, de modo que, estando de frente para ele, o sacerdote ficasse com o rosto para o oriente, jamais para o norte ou ocidente. Averiguava ainda se os procuradores do patrimônio eram capazes de levantar, pelo menos, 6 mil réis por ano, para a fábrica, reparações e ornamentação da futura capela filiada.

As ações para construção da capela
Em livro de registros de notas do Fórum de Santa Rita, acha-se o lançamento de 2 títulos feitos pelo Reverendo Vigário, Pe. José Maria Rabelo, em 1888. O 1º título é transcrição da famosa carta de doação do patrimônio, feita por Manoel e Genoveva da Fonseca. No verso deste, está a nomeação de um novo procurador do patrimônio, o Cap. Joaquim Ribeiro de Carvalho, a escolha de um tesoureiro, o Cap. Manoel Joaquim Pereira, além da renúncia de dois procuradores, o Alf. Antonio Manoel da Palma e o Alf. João Pereira Lima. O teor do registro é o que segue:

Dizemos nós procuradores nomeados no verso deste papel de doação que para cômodo nosso e dos povos desta mesma aplicação cedemos nossos poderes nas pessoas do Capm. Joaquim Ribeiro de Carvalho, Capm. Braz Fernandes Ribas para poderem vender e cobrarem ql. qm. qto. q. pertença ao território declarado e passar títulos de qualqr. venda que façam e aplicarem suas qtas. PA. as obras e alfaias de uma Capela, como também nomeamos o Capm. Manoel Joaquim Pereira para tesoureiro da mma. obra para que este unido com os outros ditos procuradores assim façam tudo que for a benéfico da mesma Capela e pr. assim assentarmos em comum acordo passamos este por um de nós escrito e por todos assinado. Boa Vista, 24 de julho de 1825. Antonio Manoel da Palma, João Pereira Lima. Como tesoureiro a escrevi Manoel Joaquim Pereira.

Registro no livro de notas do Fórum de Santa Rita, onde consta as nomeações e as renúncias citadas acima.

Registro no livro de notas do Fórum de Santa Rita, onde consta as nomeações e as renúncias citadas acima.

Em contato com descendentes do Alf. João Pereira Lima, apurou-se os motivos de sua renuncia: o mesmo retornou com sua família para a região onde nascera, nas proximidades da cidade de Mariana, onde hoje é o distrito de Santa Rita Durão, pois lá recebera uma herança em terras, sondada como possuidora de catas de ouro. Já os motivos que levaram o Alf. Antonio Manoel da Palma a abrir mão do cargo de procurador ainda são desconhecidos.

Com a nomeação do novo procurador e a escolha de um tesoureiro, deu-se inicio as ações para arrecadar fundos, através de doações de fiéis, arrendamentos temporários, de aforamentos perpétuos (tipo de arrendo perpétuo, com pagamento de taxas anuais) e venda de terras do patrimônio para as obras de construção da capela, suas alfaias e paramentos.

Pelas regras da Constituição do Arcebispado, para que uma nova capela filiada fosse assistida regularmente por um capelão visitador, ou permanente, a mesma deveria ser construída com alicerces de pedra e cal, e não somente de madeira ou de barro. Nesta, deveria constar obrigatoriamente um altar-mor, púlpito e sino, além de alfaias e paramentos.

O trabalho de arrecadação de fundos foi rapidamente concluído. As obras do novo templo foram tomadas de imediato e sua conclusão foi ainda no mesmo ano de expedição do alvará que autorizou sua construção.

O Capelão Visitador
Mais uma vez o bispado enviou um visitador diocesano para inspecionar se a construção seguia as normas estabelecidas, se tinha capacidade de funcionar como uma capela e se ali existia condições mínimas para um sacerdote realizar alguns ofícios.

Vistoria feita e aprovada, em dezembro de 1825, o Vigário de Santa Catarina (Natércia), Pe. Mariano Acioli de Albuquerque, oficiou ali uma celebração em louvor a Santa Rita. Logo após, Pe. Mariano apresentou o Capelão Visitador, por ele indicado, responsável por assistir a nova capela: o Pe. Atanásio José Rodrigues.

Como Capelão Visitador, Pe. Atanásio residia em Santa Catarina, sede da freguesia, e era subordinado ao Vigário desta. Português de Viana do Castelo, Pe. Atanásio mudou-se para o Brasil logo que Napoleão invadiu Portugal, estabelecendo-se  no bispado de Mariana. Na época em que aqui tomou posse, contava com 55 anos.

Pe. Atanásio era responsável por administrar a capela filiada em caráter interino. Como promotor da fé cristã no novo templo, suas atribuições restringiam-se a poucas atividades, como: oficiar celebrações de culto a padroeira, ouvir confissões, conduzir o terços de Nossa Senhora ao primeiro domingo de cada mês, recitar os atos de Fé, Esperança e Caridade, ensinar ali o catecismo a quem coubesse, além de ministrar o sacramento da extrema unção aos necessitados, dentre outras.

Pregações, missas e administração dos demais sacramentos não eram autorizados na capela, enquanto a mesma não fosse elevada a Curato. Por sua vez, os fiéis da capela de Santa Rita eram responsáveis pelo sustento do Capelão, pagando a côngrua diretamente a este. Por ser subordinado a freguesia de Santa Catarina, Pe. Atanásio obrigava-se a enviar a seu Vigário uma parte do que arrecadava.

Acerca de “mandar construir” a capela filiada
O processo de construção de uma capela filiada não era um processo simples. Era um processo cheio de particularidades e por menores, de autorizações e vistorias, levantamento de fundos e providências para mantê-la.

Se o desejo fosse que uma capela se elevasse futuramente a Curato e, mais tarde, a Matriz, não era simplesmente “mandar construir”, a qualquer tempo, em qualquer lugar, de qualquer maneira. Observações aos regimentos do Arcebispado eram de suma importância para o êxito futuro da empreitada.

Genoveva da Fonseca pode até ter manifestado seu anseio de ver construída uma capela nas terras doadas. Entretanto, dizer que foi ela quem mandou construí-la é incutir a esta uma responsabilidade que foi claramente dos procuradores do patrimônio, homens de poder local, com capacidade de articulação política-financeira para ocuparem-se com todos os tramites e expedientes necessários para erguer uma capela filiada, na época.

Aqui cabe, novamente, reconhecer os esforços destes procuradores para realizar o sonho dos moradores das cercanias do patrimônio, nomes estes já citados aqui anteriormente, mas que foram esquecidos pela história narrada e escrita de nossa cidade.

Fontes:
– Livro de registro de notas do Fórum de Santa Rita do Sapucaí, no. 20, folha 3;
– Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, edição de 1853;

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